1. Introdução
O
presente Guia tem como objetivo apresentar e contextualizar as mudanças
provocadas na ortografia usada pelo Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa e dar a conhecer os recursos existentes para apoio à sua aplicação.
O
Acordo Ortográfico resultou de um consenso entre os diferentes países de língua
oficial portuguesa - além de Portugal, também Angola, Brasil, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste -, harmonizando as
regras de escrita seguidas em todo o espaço da CPLP.
Estrutura deste Guia
Para
aplicar um acordo ortográfico não basta aprovar um documento legal, por
inerência de natureza técnica e carente de interpretação. É necessário criar
instrumentos, como este Guia, que façam e sigam uma interpretação homogênea do
documento legal, permitam a adaptação rápida e não onerosa de recursos
existentes à nova grafia e facilitem a sua aprendizagem e aplicação.
Para
começar, no entanto, importa descrever e apresentar o que muda com o Acordo Ortográfico,
esclarecendo, em seção própria, o que não muda.
2. O que
muda
As
alterações provocadas pela reforma que agora entra em vigor vêm simplificar e sistematizar
vários aspectos da ortografia do português e eliminar algumas exceções, harmonizando
as regras de escrita seguidas nos diferentes países e territórios em que o português
é língua oficial. Como o nome do acordo indica, apenas a ortografia é alterada, continuando a pronúncia e o
uso das palavras a ser o mesmo.
Por
outro lado, o Acordo Ortográfico apenas uniformiza
as regras de escrita, e não a forma de todas as palavras.
Continuam,
como tal, a existir diferenças entre a forma como se escreve em diferentes
países, sempre que as regras o permitam e a variação existente a isso obrigue.
Não
são também alvo de uniformização formas isoladas que tradicionalmente, sem que
seja por ação de uma regra, têm escritas diferentes nos vários países em que o português
é falado.
As
alterações afetam os seguintes aspectos:
>> algumas palavras que anteriormente
escrevíamos com maiúscula inicial
passam, agora, a escrever-se obrigatoriamente com inicial minúscula e e
alargado o uso opcional de minúsculas e maiúsculas iniciais;
>> são eliminados os acentos em alguns casos que constituíam exceção;
>> são eliminadas algumas consoantes mudas que não pronunciamos mas tínhamos que escrever;
>> alguns aspectos da utilização do hífen são sistematizados.
Nas
páginas seguintes, são explicadas as mudanças em cada um destes aspetos da ortografia
do português.
Cada
mudança é exemplificada com palavras que são afetadas pelas alterações agora
introduzidas, sendo sempre indicada a forma nova que assumem.
Após
apresentação do que é alterado, são assinalados também casos em que a
ortografia não muda, de modo a esclarecer eventuais dúvidas.
No
final é apresentada uma lista para consulta rápida das palavras de uso
frequente cuja grafia é alterada.
Uso de maiúsculas e minúsculas
>> setembro, verão, fulano
Passam
a escrever-se com letra minúscula inicial todos os nomes de calendário, à semelhança
do que já acontecia com os nomes dos dias da semana.
Escrevem-se
agora com inicial minúscula:
>> os nomes
de meses, como janeiro e outubro;
>> os nomes
de estações do ano, como primavera
e outono.
As
formas fulano, sicrano e beltrano passam também a ser sempre escritas com inicial minúscula.
Quando
forem empregadas como nomes próprios, nos casos já previstos pelas regras até aqui
usadas, estas palavras continuam, é claro, a escrever-se com letra inicial
maiúscula:
Pedro Inverno Martins, Rio de Janeiro.
O
uso de maiúsculas e minúsculas em português apresenta vários casos de
opcionalidade, permitindo que em usos específicos se escrevam nomes comuns com
letra inicial maiúscula para efeitos de destaque, reverência, ou outros.
O
Acordo Ortográfico de 1990 mantém esta tradição.
Podem
também ser escritos com maiúscula ou minúscula:
>> os títulos de obras, após o primeiro
elemento (As pupilas do senhor reitor
ou As Pupilas do Senhor Reitor);
>> títulos de santos (santa Mónica ou Santa
Mónica; são Nicolau
ou São Nicolau);
>> domínios do saber, cursos e disciplinas (matemática ou Matemática; línguas e literaturas modernas ou Línguas e Literaturas Modernas);
>> categorizações de logradouros públicos,
templos ou edifícios (rua do Ouro
ou Rua do Ouro; avenida da Boavista ou Avenida da Boavista).
Cada
instituição, como um todo, ou cada indivíduo, no seu uso pessoal e
profissional, deve preocupar-se em fazer um emprego uniforme das opções que
tomar.
Acentuação
Desde
1945, não se usa em geral acento nas palavras que terminam em vogal <a>, <e> ou <o> e
cuja sílaba tónica é a penúltima (palavras graves/paroxítonas).
Algumas
das exceções a esta regra que subsistiam deixam agora de existir,
generalizando-se o princípio.
É,
assim, alterada a acentuação nos seguintes casos.
pera,
pelo
São
eliminados alguns acentos que serviam
para distinguir palavras que têm pronúncias, significados ou funções
diferentes mas que pela normal aplicação das regras gerais de escrita teriam a
mesma grafia.
A
lista abaixo apresenta os casos que são afetados por esta alteração.
pára (do verbo parar) -> para
pêlo (nome) -> pelo
péla (do verbo pelar), péla (nome) -> pela
pólo (nome) -> polo
pêra (nome), péra (nome) -> pera
boia,
asteroide
É
eliminado o acento no ditongo <oi>
em palavras graves/paroxítonas.
Tal
como já acontecia em palavras como comboio,
dezoito e boina, agora todas as palavras
graves/paroxítonas com aquele ditongo, como asteroide, jiboia, joia
ou paranoico, deixam de se acentuar.
Importa
não esquecer que esta regra apenas se aplica às palavras graves/paroxítonas; as
palavras agudas terminadas em <oi>,
como corrói, destrói, dói ou herói,
continuam a escrever-se com acento gráfico.
veem,
releem
É
eliminado o acento nas formas verbais terminadas em <eem>: creem,
deem, leem, reem
e veem e seus derivados -
isto é, todas as formas que têm como base esses verbos, como descreem, desdeem, reveem
ou releem.
averigue,
obliques
É
eliminado o acento na letra <u>
dos poucos casos de terminações
verbais gue(s), que(s), gui(s) e qui(s) que o tinham, como nos casos de
averigúe -> averigue;
obliqúe -> oblique;
argúi -> argui;
delinqúis -> delinquis.
Importa
ter em conta que formas como a da primeira pessoa do pretérito perfeito do
indicativo do verbo arguir, arguí, tendo como vogal tônica a
letra
<i> - e não <u>, como enuncia a regra
-, mantêm o acento gráfico.
Consoantes mudas
Tal
como vem acontecendo nas últimas reformas ortográficas, continua, com esta, a tendência
para se eliminarem as consoantes <c>
e <p> que antecedem um <c>, um <ç> ou um <t> e não são pronunciadas
com valor consonântico.
direto,
ator, rutura, ótimo
Palavras
como atual, selecionar, direção, anticoncecional,
adoção ou ótimo passam a escrever-se sem a consoante <c> ou <p>
que antes se escrevia mas nunca se pronunciava com valor consonântico.
facto,
convicto, adepto, erupção
No
entanto, os <c> e <p> dessas sequências não
eram mudos em todas as palavras.
Nos casos em que são produzidas, as
consoantes <c> e <p> mantêm-se.
Assim,
continuaremos a escrever
facto,
apto,
rapto,
opção,
friccionar e
núpcias.
sectorial
ou setorial, caracteres ou carateres
Num
número reduzido de palavras que contêm estas sequências, existe variação na pronúncia, o que faz
com que passem a existir duas variantes escritas aceites.
É
o caso de acupunctura ou acupuntura, caracteres ou carateres
e eclíptico ou eclítico.
Estes
casos são raros e assemelham-se a muitos outros casos de variação já existentes
(e que se mantêm) como o de ouro
ou oiro e louro ou loiro.
Quando,
em consequência das regras anteriores, se elimina o <p> nas sequências <mpc>, <mpç> e <mpt>, devemos ter em conta
que o <m> passa a <n>, dado que deixa de se escrever
antes de um <p>.
Alguns
dos raros casos em que tal acontece são os de assuncionista, consuntível
e perentório.
Uso do hífen
Algumas
regras de hifenização são clarificadas e sistematizadas com esta reforma.
Podemos
dividir as mudanças em três grandes grupos:
as
palavras que incluem unidades não autónomas,
as
palavras que se juntam a outras palavras
e, por fim,
o
caso do verbo haver.
eurodeputado,
minissaia, antirrugas
Unidades não autónomas + palavra (agro+pecuária = agropecuária)
Uma
das formas mais produtivas de formar palavras em português consiste na junção
de unidades não autonómas (isto é, elementos que não são palavras independentes)
a palavras, alterando-lhes o significado.
Antes
desta reforma, as regras que determinavam como se dava essa junção, utilizando
ou não o hífen, eram difíceis de aplicar e geravam muitas dúvidas.
Com
o Acordo Ortográfico, os elementos deste tipo passam a escrever-se por princípio sempre junto à palavra a que se
associam, sem hífen, como nos casos de antirrevolucionário, eurodeputado,
psicossocial, telegénico ou ultraligeiro.
No
entanto, mantêm-se algumas exceções.
Assim,
os elementos de formação continuam a separar-se
com hífen da palavra a que se associam quando:
>> a palavra a que se juntam começa pela letra <h>:
anti-histamínico,
contra-harmónico;
>> a palavra a que se juntam repete a letra com
que terminam:
araui-inimigo,
micro-ondas;
hiper-realismo;
>> terminam com <n> ou <m>
e a palavra a que se juntam começa por uma destas consoantes ou por vogal:
circum-navegação;
pan-nacional;
>> terminam com <b> ou <d>
e a sua aglutinação provoque uma leitura que não reflita a pronúncia da palavra:
ad-rogar,
sub-regulamentar;
>> são: sota-, soto-, vice-,
vizo-, grão-, grã-
ou ex- (com o sentido de anterioridade):
vice-presidente,
grão-vizir,
ex-marido;
>> são acentuados graficamente:
pré-reforma,
pós-verbal.
>> a palavra a que se juntam é um
estrangeirismo, um nome próprio ou uma sigla:
anti-apartheid,
anti-Europa,
mini-GPS.
A
regra que impede que se juntem elementos de formação a palavras que começam
pela mesma letra não se aplica a prefixos átonos como co-, pre-, pro- e re-, em
linha com o que tem sido tradição em português.
Assim,
mantêm a sua forma palavras
como
cooperante,
reelege e
preencher.
Do
mesmo modo, formas como
desumano,
inábil e
reaver,
em
que tradicionalmente o prefixo não é separado da palavra a que se junta embora
esta comece por <h>
(que cai), também não passam a ser
hifenizadas.
fim de
semana, mulher a dias
Palavra + palavra
Não se usa hífen em locuções de qualquer tipo.
Do
mesmo modo que já escrevíamos sem hífen outros tipos de locuções, agora também
não o usamos nas locuções substantivas, isto é, no encontro de duas ou mais
palavras que exercem a função de um nome, como nos casos de dia a dia, fim de semana, mulher
a dias ou ponta de lança.
Devem,
no entanto, escrever-se com hífen as sequências que designem espécies botânicas ou zoológicas,
mesmo que pela sua estrutura pudessem ser consideradas locuções.
Assim,
o correto é fava-de-santo-inácio
e andorinha-do-mar.
hei
de, há de, hás de
Verbo haver
As formas do verbo haver com apenas uma
sílaba
hei,
hás,
há,
hão
deixam
de ser ligadas por meio de hífen à
preposição de que o verbo seleciona:
hei de,
hão de.
A
supressão do hífen nestes casos elimina mais uma exceção, uniformizando a
escrita destas formas com a restante conjugação do mesmo verbo - havemos de, haveis de, haveriam
de, etc. -, assim como com todas as formas verbais com uma sílaba que
selecionam uma preposição, como nos casos de sais de, faz de
ou vem de.
O
emprego do hífen noutros casos em que duas ou mais palavras independentes se associam
não sofre alterações.
3. O que
não muda
Apresentadas
as principais mudanças, importa lembrar algumas referências presentes no texto
do Acordo Ortográfico que não implicam alterações a escrita, que consistem em mudanças
meramente formais, sem impacto no uso, ou que tendem a causar dúvidas.
k, w,y
As
letras <k>, <w> e <y> passam a integrar oficialmente o alfabeto do
português.
Na
prática, estas letras já eram utilizadas em alguns casos, mantendo-se o âmbito
do seu uso inalterado:
nomes de pessoas e seus derivados (Darwin, darwinismo),
nomes de lugares e seus derivados (Kosovo, kosovar);
siglas, abreviaturas e símbolos de convenção internacional (SW - por sudoeste -, kg - por quilograma -,
ou K - por potássio) e
palavras oriundas de línguas que não o
português (baby-sitter,
bowling ou karaoke).
ü
O
trema continua a ser apenas usado em nomes
próprios e nos seus derivados, como é o caso de
Hübner e
hübneriano ou
Müller e
mülleriano.
Até
esta reforma, este sinal tinha um uso mais alargado na norma ortográfica
seguida no Brasil.
Victor,
Baptista, Mello, Tintas Activa, Seguradora Óptima
Como
aconteceu em anteriores reformas, as formas ortográficas que são alvo de
registo ou proteção legal não têm que ser alteradas.
É
o caso dos
nomes de pessoas e de marcas,
firmas,
sociedades e títulos que estejam inscritos em registo público.
pode,
pôde, por, pôr, amamos ou amámos
Apesar
de terem sido eliminados alguns acentos que serviam para distinguir palavras
que pela aplicação normal das regras gerais se escreveriam do mesmo modo, mantém-se
o acento em algumas palavras com essas caraterísticas.
Continuam,
deste modo, a distinguir-se graficamente através de acento gráfico as formas pode (presente do indicativo) e pôde (pretérito perfeito) do
verbo poder, as formas demos
e dêmos, do verbo dar, e as
formas por, preposição, e pôr, verbo.
Da
mesma forma, continuam a poder distinguir-se
por meio de acento as formas da primeira
pessoa do plural do presente do indicativo e do pretérito perfeito dos verbos
da primeira conjugação (terminados em -ar), como nos casos de amamos
ou amámos, do verbo amar, e falamos ou falámos, do verbo falar.
andar-modelo,
saca-rolhas, Trás-os-Montes, cabo-verdiano
O
uso do hífen nas palavras compostas mantém-se inalterado.
É
o caso dos compostos que internamente são formados por dois nomes
andar-modelo ou
operação-relâmpago,
por
um verbo e um nome
conta-gotas ou
guarda-fatos
ou
com os advérbios bem e mal
bem--aventurado,
mal-estar.
Em
muitos casos, nomeadamente aqueles em que uma palavra composta envolve um adjetivo,
a utilização de hífen não é descrita sistematicamente, razão pela qual se
aconselha a consulta do Vocabulário Ortográfico do Português.
Mantém-se
também o uso do hífen em unidades
discursivas lexicalizadas
ai-jesus,
maria--vai-com-as-outras
e
em encadeamentos vocabulares
ocasionais
aquilo-aue-eu-sei-gue-tu--sabes,
o
percurso Lisboa-Coimbra-Porto
ou
o
jogo Sporting-Benfica.
As
palavras que derivam de nomes de
lugares com mais que uma palavra também continuam a escrever-se com
hífen.
É
o caso de
Mato Grosso > mato-grossense,
Nova Iorque > nova-iorquino,
Porto Alegre > porto-alegrense.
No
caso dos nomes de lugares compostos,
continuam a ser hifenizados os iniciados pelos adjetivos grão e grã
Grã-Bretanha,
Grão-Pará,
por
forma verbal
Abre-Campo,
Passa-Quatro
ou
cujos elementos estejam ligados por
um artigo
Albergaria-a-Velha,
Trás-os-Montes.
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